Reforma da recuperação judicial ganha novo texto

Designado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar do projeto de reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência (PL no 10.220), o deputado Hugo Leal (PSD-RJ) vai apresentar ainda neste mês uma proposta de alteração do texto que havia sido enviado ao Congresso pelo governo de Michel Temer – e que, na época, foi duramente criticado no meio jurídico.

A minuta, obtida com exclusividade pelo Valor, foi costurada dentro do Ministério da Economia e tem como um dos principais pontos a previsão de condições especiais para o pagamento de dívidas com a Fazenda Nacional.

Segundo consta nesse texto preliminar, as empresas em recuperação poderiam quitar os seus débitos por meio de um parcelamento diferenciado, em até 120 meses. Também poderiam usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal, por exemplo, para abater parte da dívida. E seria permitida ainda a negociação do que está inscrito em dívida ativa com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Há também mudanças previstas para a parte processual (leia mais abaixo) e outras situações novas.

Entre elas, a regulação do financiamento para empresa em recuperação judicial – conhecido no mercado como DIP Financing. Segundo consta no texto, haveria uma “supergarantia” para o credor. No caso de falência, por exemplo, ele seria o primeiro a receber.

Existe previsão ainda para incluir um capítulo na Lei de Recuperação Judicial e Falência (no 11.101, de 2005) específico sobre falência transnacional. O texto segue o modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral), já utilizado, por exemplo, pelos Estados Unidos.

Se aprovada da forma como consta na minuta, a medida vai permitir a cooperação entre juízes brasileiros e do exterior. O efeito prático seria a possibilidade de alcançar o patrimônio que a empresa em recuperação ou falência tem fora do país. O mesmo valeria para companhias de fora com atividade no Brasil.

O texto será apresentado pelo deputado Hugo Leal ao Instituto de Advogados de São Paulo (Iasp) e à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) na próxima segunda-feira. O objetivo, segundo fontes que acompanham o tema, é buscar um consenso com as entidades para que, no Congresso Nacional, a proposta tramite de forma mais rápida.

Essa versão prevê dez pontos de alteração – é bem menor do que o projeto apresentado pelo governo Temer, que pretendia uma ampla reforma à lei. “Ao contrário do que aconteceu com o PL no 10.220, a reforma aqui pretende ser pontual. Não podemos abandonar 15 anos de evolução jurisprudencial.

Apresentar uma nova lei seria como reabrir um período de mais 15 anos de insegurança e discussão”, diz o juiz Daniel Carnio Costa, titular da 1a Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo. Ele faz parte do grupo que está construindo o texto substitutivo.

A proposta do governo de Michel Temer havia sido enviada ao Congresso, em regime de urgência, em maio do ano passado, mas acabou não andando. Tanto por causa do período eleitoral e da saída de Henrique Meirelles do então Ministério da Fazenda, como em razão das críticas do mercado. O texto não teve sequer a concordância dos juristas que participaram de sua elaboração.

“A versão final ficou muito diferente do que o inicialmente proposto”, diz um advogado. “Para as empresas em recuperação judicial haveria mais chances de quebrar do que sobreviver e se manter no mercado se o texto fosse aprovado”, complementa.

Uma das principais críticas era em relação ao Fisco poder pedir a falência de empresas que devem tributos. A Fazenda Pública, atualmente, não participa do processo de recuperação judicial e, pela lei que está em vigor, também não pode pedir falência. O que pode ser feito para obter os valores que não foram pagos é o ajuizamento de ações de execução e, consequentemente, a penhora de bens do devedor.

Existe um parcelamento de dívidas fiscais direcionado às empresas em recuperação desde 2014. O programa, no entanto, é considerado ruim pelo mercado e tem baixa adesão, segundo advogados. O máximo de 84 parcelas é considerado insuficiente e, para aderir, a empresa é obrigada a desistir de todas as discussões tributárias administrativas e judiciais em andamento.

O substitutivo prevê uma situação diferente tanto do que existe hoje, como do que consta no texto enviado pela equipe de Michel Temer. Segundo o que está na minuta, haveria a inclusão de um novo artigo na Lei no 10.522, que dispõe sobre as dívidas tributárias.

Esse dispositivo trataria de duas novas possibilidades de parcelamento: em um deles, a empresa em recuperação judicial poderia parcelar a sua dívida em até 120 meses, já no outro seria possível quitar 30% da dívida com prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL ou outros créditos próprios relativos a tributos federais e parcelar o restante em até 84 meses.

Para aderir a um desses parcelamentos, a empresa não precisaria desistir das discussões administrativas e judiciais. “Entendemos que exigir a desistência é inconstitucional. A empresa tem o direito de questionar, independentemente de aderir ou não a um parcelamento”, diz o advogado Pedro F. Teixeira, especialista em recuperação judicial que assessora o deputado Hugo Leal no desenvolvimento do texto.

Em um outro artigo, que também seria incluído na Lei no 10.522, haveria uma alternativa aos parcelamentos. As empresas teriam a possibilidade de negociar as suas dívidas diretamente com a PGFN. Consta na minuta que a companhia poderia apresentar proposta sobre concessão de descontos, prazos e formas de pagamento e também sobre o oferecimento, substituição ou alienação de garantias.

Existiriam critérios para isso. A dívida poderia ser reduzida em, no máximo, 50% e a quitação teria de ocorrer em até 96 meses – com aumento de 20% desse prazo quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte. Tanto nesse caso como no dos parcelamentos, a Fazenda poderia pedir a quebra da empresa na hipótese de descumprimento do acordo.

“O sistema que existe hoje é o do “perde-perde”. A empresa em recuperação não consegue cumprir a obrigação fiscal e o Fisco também não consegue recuperar o crédito”, pondera Teixeira. “Dialogamos com a Fazenda e juntos encontramos um caminho para mudar esse cenário. A recuperação judicial precisa ser um sistema de ganha-ganha”, acrescenta.

Um ponto polêmico quando se fala em reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência, no entanto, não consta na minuta: alienação fiduciária. São os casos em que o credor, geralmente instituição financeira, detém bens do devedor até o pagamento total da dívida.

Há uma resistência muito forte do setor bancário em negociar essa questão. Já para as empresas em crise, afirmam advogados, traria alívio. Esses créditos representam, na maioria das vezes, mais da metade das dívidas e, pela regra atual, não se sujeitam aos planos de recuperação (que preveem descontos, prazos de carência e parcelamento).

Um interlocutor do Ministério da Economia afirma que esse assunto deverá ser tratado de forma separada do projeto. “Porque, em razão da divergência, pode travar o andamento e comprometer todos os outros pontos que precisam ser modificados”, diz.

Já Pedro F. Teixeira afirma que nada será colocado “goela abaixo” e que eles estão tentando, “assim como foi construído com o Fisco”, encontrar “pontos de convergência”. “O sistema precisa estar equilibrado. A recuperação judicial é um momento excepcional e tem como objetivo preservar uma atividade econômica. Porque aquela empresa, depois de recuperada, vai voltar a recolher impostos e gerar empregos.”

Fonte: Valor