Menos de duas semanas antes do maior pedido de recuperação judicial da história corporativa do país, feito pela Odebrecht no dia 17 de junho, a Câmara dos Deputados reverteu um parecer que poderia barrar construtoras em sérias dificuldades financeiras de licitações no setor público.
Até então, o texto do projeto de nova Lei de Licitações tinha um dispositivo que contrariava muitas empreiteiras: a necessidade de certidão negativa sobre falência, recuperação judicial ou extrajudicial para habilitar interessados em concorrências abertas pela União, Estados e municípios.
Essa exigência foi introduzida em parecer votado e aprovado por uma comissão especial da Câmara em dezembro do ano passado. A relatoria do projeto mudou de mãos nesta legislatura e ficou com o deputado Augusto Coutinho (SD-PB). No dia 4 de junho, em meio às crescentes ameaças da Caixa Econômica Federal de executar dívidas da Odebrecht, Coutinho modificou esse ponto.
O novo relator tirou qualquer menção à recuperação judicial ou extrajudicial. Ele manteve apenas a necessidade de certidão negativa de falência para “demonstrar a aptidão econômica” dos licitantes. Em 25 de junho, oito dias depois do pedido de recuperação judicial da Odebrecht, o plenário da Câmara aprovou o parecer de Coutinho. Falta agora a votação dos destaques da nova Lei de Licitações e a análise final do Senado.
Empresas como UTC, OAS, Galvão Engenharia e Mendes Júnior fazem parte da relação de construtoras que negociam na Justiça suas dívidas com credores. O pedido da Odebrecht foi feito pela holding. As dívidas da OEC, o braço de engenharia e construção da companhia, têm sido negociadas diretamente com “bondholders” (detentores dos papéis). Sem um acordo para a reestruturação dessa dívida, a OEC também poderia ficar com o seu futuro em xeque.
As antigas gigantes da construção, em apuros depois da Lava-Jato, consideravam que a exigência de certidão negativa para empresas em recuperação judicial ou extrajudicial tinha um pano de fundo inconstitucional. Para elas, impedir o livre exercício da atividade empresarial era frustrar o princípio da “função social” da empresa – gerar riqueza e empregos – e ferir o princípio da “igualdade”.
A tese defendida pelas construtoras era que se uma empresa está em recuperação judicial ou extrajudicial, mas preserva sua capacidade técnica e financeira de executar obras, afastá-las de novos contratos seria uma forma de contrariar a isonomia na concorrência. E deixaria sem sentido os acordos de leniência firmados com o Ministério Público Federal (MPF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) – por meio dos quais elas se comprometeram a pagar compensações bilionárias para não serem declaradas inidôneas e não ficarem impedidas de contratar com o poder público.
Do auge vivido em 2015 até o fim de 2018, a receita líquida das maiores empreiteiras registrou um tombo de 85%, de R$ 71 bilhões para R$ 10,6 bilhões, segundo levantamento feito pelo Valor com base nos balanços das companhias e publicado na semana passada. Esse grupo de empresas é formado por Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa,Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC Engenharia e Constran.
Outra vitória das empreiteiras – principalmente pequenas e médias – foi a ausência na obrigatoriedade de contratação do seguro-garantia. O texto da comissão especial, aprovado em dezembro, previa um valor de 30% para a cobertura das seguradoras no caso de obras de “grande vulto” (superior a R$ 200 milhões).
O Ministério Público Federal (MPF) foi um dos maiores defensores do mecanismo por entender que o seguro viabiliza a conclusão das obras em caso de inadimplência contratual.
Entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e o Sinduscon-SP eram contrárias.
Emendas apresentadas pelos deputados Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Afonso Florence (PT-BA) propunham flexibilização do valor de 30%. Na nova redação dada por Coutinho ao projeto, a exigência de seguro-garantia ficou em “até” 30% – sem um piso inferior. Na prática, a contratação de seguradora ficou opcional.
Fonte: Valor