Até o fim do mês será apresentado ao Congresso uma nova proposta de alteração da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Modernizar essa legislação é uma das medidas que o governo pretende implementar para que a atividade volte a deslanchar. Embora não influencie diretamente o crescimento, faz parte de um arcabouço que azeita as relações econômicas.
A Lei de Recuperação Judicial e Falência é relativamente recente, entrou em vigor em 2005 para substituir a antiga Lei da Concordata, que prevaleceu por mais de seis décadas. Mas já exige aperfeiçoamentos, apontados pela experiência. As mudanças interessam a mais de 6 mil empresas que pediram recuperação judicial nos últimos tempos, com dívidas estimadas em R$ 300 bilhões. O número cresceu vertiginosamente na segunda metade desta década, em consequência do desaquecimento econômico.
Os pedidos de recuperação judicial somaram 1.287 em 2015, de acordo com levantamento da Serasa Experien. Saltaram para 1.863 em 2016, e estabilizaram em níveis elevados de 1.420 em 2017 e em 1.408 em 2018, quando a economia ensaiava uma recuperação. No primeiro semestre deste ano, os pedidos de recuperação judicial somaram 618. Nos últimos meses, a lista foi engordada por empresas importantes e tradicionais, como a Odebrecht, Projeto Jari, Avianca Brasil, Saraiva e Bardella.
O governo de Michel Temer chegou a tentar reformular a Lei de Recuperação Judicial, com o Projeto de Lei 10.220, enviado ao Congresso em regime de urgência, em maio de 2018. O projeto não foi em frente. A saída de Henrique Meirelles do Ministério da Fazenda para disputar a Presidência da República foi um dos fatores que esvaziou a defesa da mudança de regras. A própria disputa eleitoral foi outro motivo. Mas o principal problema era o texto em si que despertou críticas do mercado. A versão final ficou muito diferente da proposta inicial e não teve apoio dos próprios advogados que participaram da sua formulação.
Uma das principais críticas era a autorização dada ao Fisco para pedir a falência de empresas que devem tributos.
Geralmente as companhias em dificuldades procuram manter alguns compromissos em dia, como o pagamento dos salários dos funcionários e as dívidas com os fornecedores, para tentar seguir em funcionamento, deixando para depois os tributos. Atualmente, a Fazenda não participa do processo de recuperação judicial e, pela lei em vigor, também não pode pedir falência. O que pode fazer é ajuizar ações de execução e, consequentemente, penhorar bens do devedor. A proposta de Temer mudava esse quadro e acreditava-se que as empresas em recuperação judicial teriam mais chances de quebrar do
que sobreviver se a proposta fosse aprovada.
A saída encontrada passa pelo envio ao Congresso de uma sugestão de alteração do PL 10.220, que será apresentada pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ) ainda neste mês. A intenção é que a proposta seja mais enxuta, menos ambiciosa e agilize o processo antecedendo o encaminhamento por um amplo debate para remover focos de resistência.
De acordo com a minuta obtida pelo Valor (2/8), um dos principais pontos do novo texto é estabelecer condições especiais para quitar os compromissos com a Fazenda . Assim, as empresas em recuperação poderão parcelar os pagamentos em até 120 meses e ainda usar créditos tributários para abater parte do débito, além de negociar os valores inscritos na dívida ativa com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Um pleito antigo é atendido ao regular o financiamento da empresa em recuperação, viabilizando o mecanismo conhecido no mercado como “dip financing”, que dá Lei de recuperação judicial pode agora ser aperfeiçoada ao credor garantias extras, como o direito a ser o primeiro a receber em caso de falência.
Há ainda a intenção de incluir na legislação a previsão da falência transnacional, seguindo o modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, que vai permitir a cooperação entre juízes brasileiros e estrangeiros, tendo como efeito prático alcançar o patrimônio que a empresa em recuperação ou falência tem fora do país.
O projeto prevê acelerar os processos de falência, que hoje podem levar décadas. Mas um ponto muito questionado não é contemplado – o fim da alienação fiduciária de bens, geralmente em favor de bancos, até o pagamento total da dívida.
Seja qual for a configuração final do projeto, é elogiável a busca de um consenso para a efetiva recuperação da empresa, no menor tempo possível, para que volte a produzir, criar empregos, gerar riqueza e recolher impostos.
Fonte: Valor