O caso é do Banco do Brasil, que foi a único credor a rejeitar a proposta oferecida
A 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar processo que discute se um credor é obrigado a aceitar um plano de recuperação judicial – procedimento chamado de “cram down”. O caso é do Banco do Brasil, que foi o único a rejeitar a proposta oferecida.
É a primeira vez que a turma analisa esse assunto com profundidade, segundo o ministro Raul Araújo, apesar de já existir um precedente sobre o tema. Por enquanto, apenas o relator, ministro Antônio Carlos Ferreira, votou e se manifestou contra o
banco, a favor do cram down.
Em tese, a Lei de Recuperação Judicial (no 11.101, de 2005) estabelece que o plano de pagamento precisa ser aprovado em todas as classes de credores para que a devedora consiga levar o processo adiante. Caso contrário, terá a falência decretada.
Um processo de recuperação pode ter até quatro classes: I – trabalhistas, II – credores que têm crédito com garantia, III – titulares de créditos quirografários e IV – pequenas e microempresas. A aprovação do plano depende, nas classes I e IV, da maioria absoluta dos votos de credores presentes na assembleia-geral. Já nas classes II e III conta o número de credores e o valor total de créditos – tem de haver maioria em ambos.
Mas a lei prevê um quórum alternativo para a aprovação do plano nos casos em que existir uma circunstância especial. Trata-se da regra do cram down. O termo, importado do direito americano, significa que, mesmo com a discordância da
assembleia-geral de credores, o plano poderá ser aprovado. Ou, segundo o ministro Raul Araújo afirmou na terça-feira, significa que se vai “enfiar goela abaixo” o plano ao credor que não aceita a medida.
O cram down está previsto no artigo 58 da lei. Consta no parágrafo 1o que o juiz pode conceder a recuperação judicial desde que tenha ocorrido, de forma cumulativa, três situações: voto favorável de credores que representam mais da metade do valor de toda a dívida; a aprovação de pelo menos duas classes ou, no caso de existirem só duas, a concordância de uma delas; e na classe em que o plano foi rejeitado, a concordância de mais de um terço.
No caso em julgamento pelo STJ, o Banco do Brasil não aceitou o plano da BBKO Consulting, da qual é o principal credor – é titular de 56,86% dos créditos da classe quirografária. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de homologação da proposta por causa da oposição do banco. Para a Corte, não se aplica ao caso a teoria do cram down (AREsp 1551410).
A 4a Turma já decidiu em 2018, segundo o relator, que os requisitos do artigo 58 para a aplicação do cram down devem ser mitigados em circunstâncias que podem evidenciar o abuso de direito por parte do credor recalcitrante (REsp 1337989). A 2a Seção, acrescentou, também já decidiu em outra situação pela prevalência do princípio da preservação da empresa (REsp 1598130).
O relator destacou que a assembleia de credores obteve votos favoráveis de 100% dos credores da classe trabalhista, 100% de créditos e credores da classe II, com garantia real, 85,70% dos credores quirografários, onde está o Banco do Brasil, e 100% de
créditos e credores da classe de micro e pequenas empresas.
Para ele, a jurisprudência do STJ permite a excepcional concessão do cram down em casos de “injustificável comportamento” de um único credor, indicando abusividade. O julgamento foi suspenso por pedido de vista da ministra Isabel Gallotti.