STJ definirá quais dívidas entram em recuperação de produtor rural

4ª Turma discutirá possibilidade de inclusão de débitos contraídos como pessoa física

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá definir amanhã o futuro das recuperações judiciais no agronegócio. Os ministros vão discutir se as dívidas contraídas por produtor rural como pessoa física – antes de sua inscrição na Junta Comercial como empresário – podem ser incluídas no processo.

O julgamento na 4a Turma, que envolve o Grupo JPupin, de Mato Grosso, vem sendo considerado um marco para o setor. Se a resposta dos ministros for negativa, segundo especialistas, produtores correm o risco de ir à falência. A maior parte das dívidas dos que estão em recuperação, afirmam, são anteriores ao registro.

O caso JPupin é um dos exemplos. As dívidas somam cerca de R$ 1,3 bilhão e praticamente tudo foi constituído na condição de pessoa física. “O que o STJ vai dizer é se o grupo vai ter a chance de se recuperar ou não”, diz o consultor Haroldo Filho, da Fource Consultoria, que assessora o JPupin. “Se decidir que só podem entrar na recuperação as dívidas posteriores ao cadastro, significará o mesmo que decretar a falência.”

Ele afirma que essa questão foi suscitada por nove credores do JPupin que, juntos, respondem por cerca de R$ 700 milhões da dívida total do grupo.

O julgamento teve início no mês de junho (REsp 1800032). Há, por enquanto, dois votos: um para cada lado. O relator, ministro Marco Buzzi, entendeu que a recuperação judicial tem de ficar limitada à inscrição na Junta. Um dos argumentos foi de que a partir desta data teria sido criado um novo regime jurídico, com condições diferentes das estabelecidas na época que credor e devedor fecharam
negócio.

Já o ministro Raul Araújo entendeu diferente. Ele levou em conta o fato de a atividade econômica, mesmo depois do registro, ter permanecido a mesma. Ainda faltam três votos para que o julgamento seja encerrado. A análise do caso será retomada com o voto-vista do ministro Luis Felipe Salomão.

Esse é um desdobramento de uma outra discussão, ainda aquecida e polêmica: se o produtor rural pessoa física pode entrar em recuperação judicial ou se, para isso, precisa estar cadastrado como empresa na Junta Comercial.

A questão é importante. De acordo com o IBGE, em 2017 apenas 97,5 mil de um total de 5 milhões de produtores rurais no país tinham CNPJ. Isso se deve ao fato de o Código Civil, no artigo 971, não obrigar inscrição no registro público de empresas. Ou seja, permite o exercício da atividade como pessoa física ou como empresa. Só que a Lei de Recuperação Judicial e Falências (no 11.101, de 2005) não trata dessa peculiaridade. Há uma regra geral: estão aptas ao processo as empresas com, no mínimo, dois anos de inscrição.

A maioria das decisões no Judiciário leva em conta o que está na Lei de Recuperação e, consequentemente, veda os processos dos produtores pessoas físicas. Isso aconteceu com o Grupo JPupin. A empresa pediu para entrar em recuperação judicial no ano de 2015 – poucos dias depois do cadastro na Junta – e não conseguiu. O pedido só foi aceito em 2017, ou seja, dois anos depois da inscrição.

Não há, no entanto, uma decisão definitiva sobre esse assunto. Na semana passada, o presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, sugeriu o julgamento de um repetitivo sobre o tema – cuja decisão, quando proferida, uniformizaria o entendimento da Corte e instâncias inferiores.

Segundo Sanseverino, a base de jurisprudência do STJ mostra que foram proferidas, até agora, 120 decisões monocráticas sobre o assunto em processos vindos de diferentes Estados.

Ele destacou como sugestão de repetitivo o REsp 1834932, que envolve o Grupo Viana, também de Mato Grosso. As partes do processo, agora, podem se manifestar e o relator, ministro Marco Buzzi, decidirá se leva ou não para o Plenário Virtual da 2ª Seção decidir se cabe repetitivo ao tema.

A 2a Seção já negou pedido semelhante de julgamento como repetitivo em 2017. Na ocasião, afirmou que embora seja de grande relevância para o país, a Corte ainda não havia emitido posicionamento fundamentado sobre a matéria e, por isso, preferia aguardar a formação de jurisprudência pelo STJ.

Segundo Sanseverino, passados dois anos, a vice-presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) voltou a reivindicar a análise da questão por meio de repetitivo. A Corte alega que a questão tem sido objeto de inúmeros recursos, em razão de diferentes decisões na varas de recuperação e também nas câmaras de direito privado do tribunal, e sustenta que a divergência tem gerado insegurança jurídica no Estado – cuja economia se sustenta primordialmente no agronegócio.

Há um movimento contrário à recuperação judicial do produtor pessoa física, principalmente entre bancos e tradings que financiam o agronegócio. Decisão favorável aos produtores, sustentam, poderia diminuir o crédito e provocar aumento da taxa de juros.

Patrícia Silva, gerente de tributação e negócios jurídicos da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que financia produtores rurais, diz que o problema ocorreria pelo fato de os financiamentos hoje não contarem com a possibilidade de haver pedido de recuperação judicial. Ela afirma que tanto o Código Civil como a Lei de Recuperação Judicial preveem a inscrição na Junta Comercial por, no mínimo, dois anos.

Por esse mesmo motivo, ela entende que não haveria como o processo abarcar as dívidas da época em que o produtor exercia a atividade como pessoa física. A advogada diz ainda que, apesar de os pedidos de recuperação terem sido feitos por grandes produtores, as decisões – se favoráveis – terão efeito no crédito de todos, inclusive dos pequenos.

Já a advogada Samantha Gahyva, do escritório Gahyva e Maldonado, que atua para o JPupin, diz que “não há razão republicana” e “muito menos mercadológica” para aumentar a taxa de juros. Ela argumenta que as taxas dos financiamentos estão diretamente atreladas à Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, e lembra que o índice atual está entre os mais baixos dos últimos anos. “Inclusive, o governo tem alocado cada vez mais recursos para o crédito rural. Isso
significa que o mercado, hoje, está propício para investimentos”, afirma.

Fonte: Valor