O novo Código Italiano da Crise da Empresa

Recentemente, a Itália alterou a sua legislação sobre a crise da empresa, aprimorando vários institutos que representam um novo enfoque em matéria de insolvência e que podem servir de reflexão, pois se discute no Brasil a alteração da Lei no 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência – Projeto de Lei (PL) no 10.220, de 2018.

Dentre outros temas, o PL 10.220, de 2018, pretende regular a disciplina da crise dos grupos de empresas, o que também foi objeto de atenção do legislador italiano, como será visto a seguir.

Em 15 de fevereiro passado, foi publicado na Itália o Código da Crise da Empresa e da Insolvência (Decreto Legislativo no 14, de 12 de janeiro de 2019), que entrará em vigor na sua totalidade em 15 de agosto de 2020, promovendo uma ampla reforma da legislação falimentar.

Nesse momento em que se discute a alteração da lei brasileira é relevante atentar para a evolução da legislação italiana O Código, buscando uma harmonização com a legislação comunitária, foi elaborado em execução à Lei no 155, de 19 de outubro de 2017, pela qual a Câmara dos Deputados e o Senado da República delegaram poderes ao governo italiano para a confecção do diploma.

A Lei no 155, de 2017, havia traçado uma série de princípios e critérios diretivos para a reforma da legislação falimentar, sendo que, dentre as muitas novidades, merecem destaque:

i) substituição do nome falência (fallimento, consagrado historicamente no direito italiano pelo Decreto Régio no 267, de 16 de março de 1942) por liquidação judicial (liquidazione giudiziale);

ii) introdução de um procedimento de alerta e de composição assistida da crise, de natureza confidencial e extrajudicial;

iii) adoção de um modelo processual único para a verificação do estado de crise ou de insolvência; iv) alteração significativa da concordata preventiva; e, v) disciplina relativa aos grupos de empresas.

Com relação aos grupos de empresas, o Código prevê que empresas pertencentes ao mesmo grupo, tendo cada uma centro de interesse principal no Estado Italiano, possam ingressar com pedido de concordata preventiva em litisconsórcio ativo, oferecendo plano único ou planos coligados. A petição deverá expor as razões da maior conveniência para o oferecimento do plano único ou coligado no que se refere à satisfação dos créditos.

O plano concordatário poderá prever a liquidação de algumas empresas e a continuidade das atividades de outras. Permite-se também a realização de operações contratuais e de reorganização, inclusive com a transferência de recursos entre as empresas.

No que se refere ao procedimento da concordata, o tribunal nomeará um único juiz delegado e um único comissário judicial para todas as empresas do grupo, e as despesas judiciais serão repartidas de modo proporcional às respectivas massas ativas, e serão recolhidas conjuntamente.

Por outro lado, em caso de liquidação, as empresas do mesmo grupo poderão ser submetidas a um processo unitário, quando assim for mais oportuno e eficaz para o pagamento dos créditos.

O Código italiano cuida ainda dos efeitos da revocatória movida contra empresas de um grupo, dispondo que o curador pode promover a ineficácia de atos que, nos cinco anos anteriores à abertura da liquidação judicial, produziram a transferência de recursos entre empresas do grupo em prejuízo de credores. A revocatória pode ser proposta ainda que o processo de liquidação não seja unitário, permitindo-se em qualquer caso que a empresa prove que não conhecia o caráter prejudicial do ato.

Na hipótese em que empresas pertencentes ao mesmo grupo forem partes em processos de concordata ou de liquidação distintos, os órgãos de gestão dos processos devem cooperar entre si para uma administração eficaz dos atos.

Ainda nos termos do novo diploma, as empresas têm o dever de informação e de colaboração, devendo informar, por exemplo, a estrutura societária do grupo, os vínculos contratuais existentes e o balanço consolidado.
Pode-se dizer que a reforma falimentar italiana tem como característica fundamental a prevenção, em razão das consequências deletérias que a quebra acarreta, sobretudo nos casos de grupos empresariais.

Por isso, o legislador prioriza as medidas que buscam a superação da crise e a continuidade da atividade empresarial, levando em consideração também a maior conveniência para a satisfação dos créditos, reservada a liquidação judicial apenas para o último caso, se não for proposta uma solução alternativa idônea.

Por sua vez, o PL 10.220, de 2018, determina o estabelecimento de ofício da consolidação substancial nos casos de fraude e de confusão de ativos ou passivos. Contudo, a decisão sobre a apresentação de plano único não deveria ser imposta pela lei ou ficar a cargo do juízo recuperacional, mas sim ser tratada como uma questão negocial, competindo aos credores decidir se aceitam ou não a apresentação de plano único. E como nesse caso específico a consolidação é de ofício, a rejeição do plano unitário pode ocasionar a falência de sociedades ainda viáveis.

Nesse momento em que se discute a alteração da lei brasileira é relevante atentar para a evolução da legislação italiana destacando, entre outros pontos, a prevenção como prioridade para a solução das empresas em dificuldades, o que demonstra a modernidade do diploma.

Paulo Penalva Santos e José Carlos Jordão Pinto Dias são, respectivamente, sócio do escritório Rosman, Penalva, Souza Leão e Franco e mestre e doutorando em Direito Comercial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor