Decisão unânime da 2ª Seção uniformiza entendimento a ser adotado na Corte
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu sobre a situação de credores que foram “esquecidos” pelas empresas em recuperação judicial e não pediram a habilitação no processo por conta própria. Mesmo sem ter participado, eles também se sujeitaram às condições de pagamento aprovadas em assembléia-geral que geralmente preveem descontos e parcelamentos dos débitos.
É a primeira vez que a 2ª Seção do STJ se posiciona sobre o tema. A decisão, unânime, uniformiza o entendimento a ser adotado daqui para frente na Corte.
Essa situação dos credores “esquecidos” foi analisada pelos ministros por meio de um recurso apresentado pela Inepar, da área de infraestrutura, que entrou com pedido de recuperação judicial no ano de 2014 (REsp nº 1655705). A empresa conseguiu reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia permitido a um de seus credores, a Videolar-Innova, do segmento petroquímico, receber os créditos a que tem direito de forma integral.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) atuou no caso na condição de “amigo da corte”, fornecendo subsídios para o julgamento. Havia receio do mercado, de forma geral, que ao permitir o pagamento do crédito de forma individual e sem os efeitos da recuperação judicial, o devedor pudesse começar a usar esse modelo como estratégia para privilegiar alguns credores em detrimento de outros.
“Esse julgamento traz para o mercado, então, a segurança jurídica de que todos os credores serão tratados da mesma forma”, analisa Marcelo Sacramone, do escritório Sacramone, Orleans e Bragança, que representou a Febraban.
Os créditos da Videolar em discussão no STJ são frutos de uma ação de indenização por descumprimento contratual proposta pela empresa no ano de 2002. O processo se encerrou em 2015 e, naquele mesmo ano, a empresa ajuizou o cumprimento de sentença.
Já há entendimento consolidado no STJ de que vale a data do fato que gerou a cobrança – e não a do encerramento da ação de indenização – como marco temporal para decidir se os valores devem ser incluídos no plano de recuperação da devedora.
Existe uma régua nesses processos: só podem ser renegociadas as dívidas existentes até o dia do pedido de recuperação judicial. No caso da Videolar, portanto, essa não era uma questão relevante.
Gerou discussão entre os ministros o fato de tais valores não terem sido incluídos pela Inepar na lista de credores juntada no processo de recuperação e a Videolar não ter apresentado o pedido de habilitação por conta própria. Ela prosseguiu com a execução do crédito de forma individualizada.
A inclusão só ocorreu no ano de 2019. Nesse momento, porém, o plano de pagamento das dívidas da Inepar já havia sido aprovado em assembleia-geral de credores e inclusive homologado pela Justiça.
“Se o credor não foi chamado a participar da recuperação judicial, se não é dada a ele a chance de participar da assembleia e está totalmente alheio ao processo, não deveria ficar sujeito à novação. Esse é um efeito da lei para quem participa, não para quem fica de fora”, sustentou aos ministros, no julgamento, o advogado Carlos David Albuquerque Braga, que atua para a Videolar-Innova.
Ele defendeu, ainda, que os credores não estão obrigados, pela lei, a se habilitar por conta própria. “Tem a prerrogativa de habilitar o crédito ou promover a execução individual, não havendo que se falar em novação”, frisou o advogado.
Os representantes da Inepar, por outro lado, afirmaram aos ministros que não há discussão em relação à faculdade do credor. Ele pode escolher se vai habilitar o crédito no processo. “Mas não significa que possa receber os valores de forma distinta da prevista no plano”, salientou o advogado Paulo Penalva.
Entender de forma contrária – como pleiteava a Videolar -, disse Penalva durante o julgamento, seria permitir tratamentos diferentes entre credores de uma mesma classe, o que não é permitido. O advogado citou os artigos 49 e 59 da Lei de Recuperação e Falências (nº 11.101, de 2005).
Esse julgamento começou em fevereiro. Naquela ocasião, somente o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, proferiu voto – dando razão à Inepar. Permitir o prosseguimento da ação individual pelo valor integral do crédito, corrigido e acrescido de encargos legais, poderia, na visão do ministro, esvaziar as recuperações judiciais.
“Além disso, esse credor excluído pode ser detentor de um crédito de alto valor, podendo influenciar inclusive na viabilidade econômica da empresa”, disse Cueva ao votar.
A Seção retomou as discussões na semana passada com o voto-vista do ministro Marco Aurélio Bellizze. Ele concordou com o relator. “São dadas inúmeras possibilidades para a habilitação e se essa providência não for do interesse do credor, pode deixar de fazer. Porém, ele deve assumir as consequências da sua opção”, afirmou, reabrindo os debates.
Todos os demais que compõem a 2ª Seção se posicionaram de forma semelhante. O ministro Luis Felipe Salomão, um dos principais nomes dessa área, chamou a atenção dos colegas para a relevância do caso, alertando para as consequências de uma decisão contrária.
“Se nós admitirmos que o credor pode esperar para cobrar o seu crédito inteiro depois de cumprida a recuperação, nós poderemos acenar para uma gama de credores que eles não precisam se submeter à novação. Penso que não é esse o espírito que norteou a lei”, disse Salomão no julgamento.
O ministro entende que o credor pode deixar de participar ativamente do processo de recuperação judicial. Se não fizer a habilitação, não tem direito a voto e não participa das assembleias, mas se submete às condições de pagamento acordadas. “Está de acordo com a nossa jurisprudência e com o sistema legal”, frisou Salomão.
Fonte: Valor Econômico