No caso, o Banco do Brasil é titular de 56,86% dos créditos da classe quirografária da BBKO Consulting
O Superior Tribunal de justiça (STJ) voltou a julgar se o Banco do Brasil é obrigado a aceitar um plano de recuperação judicial em que é credor e foi o único a negar o acordo oferecido — procedimento chamado de cram down. Por enquanto, dois ministros votaram a favor do cram down e um contra.
O julgamento acontece na 4ª Turma. Contudo, o ministro Marco Buzzi pediu vista, suspendendo o julgamento. O ministro Raul Araújo aguarda para votar.
Essa é a primeira vez que a Turma analisa esse assunto com profundidade, segundo Araújo, apesar de já existir um precedente sobre o tema.
O relator, ministro Antônio Carlos Ferreira, votou contra o banco, a favor do cram down. A ministra Isabel Gallotti foi a primeira a divergir. 0 julgamento estava suspenso e foi retomado hoje, com o voto vista do ministro Luis Felipe Salomão, que seguiu o relator.
Em tese, a Lei de RecuperaçãoJudiciaI e Falência (n° 11.101, de 2005) estabelece que o plano de pagamento precisa ser aprovado em todas as classes de credores para a devedora Ievar o processo de recuperação adiante. Caso contrário, terá a falência decretada.
Um processo de recuperação pode ter até quatro classes: trabalhistas, credores que têm crédito com garantia, titulares de créditos quirografãrios e as pequenas e microempresas, nesta ordem. A aprovação do plano depende, nas classes de credores trabalhistas e de pequenas e microempresas, da maioria absoluta dos votos dos presentes na assembleia-geral.
Já nas classes dos credores com e sem garantia (quirografários) conta o número de credores e o valor total dos créditos — tem de haver maioria em ambos.
Mas a Lei de Recuperaçãojudicial prevê um quórum alternativo para a aprovação do plano nos casos em
que existe uma circunstância especial. Trata-se da regra do cram down.
O termo, importado do direito americano, significa que mesmo com a discordância da assembleia-geral de credores, o plano poderá ser aprovado. Ou, segundo o ministro Raul Araújo afirmou quando o julgamento começou no STF, significa que se vai “enfiar goela abaixo” o plano ao credor que não aceita a medida.
O cram down está previsto no artigo 58 da lei. Consta no parágrafo primeiro que o juiz pode conceder a recuperação judicial, desde que tenha ocorrido, de forma cumulativa, três situações: voto favorável de credores que representam mais da metade do valor de toda a dívida; a aprovação de pelo menos duas classes ou, no caso de existirem só duas, a concordância de uma delas; e na classe em que o plano foi rejeitado, a concordância de mais de um terço dos credores.
No caso em julgamento pelo STF, o Banco do Brasil não aceitou o plano de recuperação judicial da BBKO Consulting, do qual é o principal credor.
O Tribunal de justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de homologação do plano por causa da oposição do banco. Para o Tj-SP, não se aplica ao caso a teoria do cram down. A Corte paulista também considerou haver excesso de deságio e prazo de carência no plano, além de parcelamento sem juros e com limitação de correção monetária que implicaria em novo deságio, ainda que indireto. O tribunal reformou a decisão da primeira instância que tinha aceitado o plano (AREsp 155141 0).
O BB é titular de 56,86% dos créditos da classe quirografária. Os outros vinte credores aceitaram o plano.
A 4ª Turma do STF já decidiu em 2018 que os requisitos do artigo 58 para a aplicação do chamado cram down devem ser mitigados em circunstâncias que podem evidenciar o abuso de direito por parte do credor recalcitrante (REsp 1337989). Ainda segundo o relator, a 2ãSeçáo também já decidiu, não sobre o cram dowm mas admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa, ainda que em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores (REsp 1598130).
Para Salomão, afastar a recuperação agora causaria prejuízos como cassar empregos. “Para mim, decretar a falência agora seria um grande retrocesso no plano fático, dado o prazo recorrido, o plano cumprido”, afirmou. 0 ministro afirmou que deveria ser aplicada a jurisprudência da Corte a esse caso.
“De fato o STF afirmou a possibilidade de mitigação dos requisitos para aprovação judicial do plano, na forma do artigo 58 da lei de recuperação judicial (que prevê o cram down), sobretudo quando se evidenciar o abuso da minoria e posições individualizadas no interesse da sociedade”, afirmou.
No caso concreto, tanto o juiz quanto o Tribunal de justiça reconheceram a possibilidade de conceder a recuperação judicial. “A rejeição foi manifestada por um único credor, ainda que representante da maioria dos créditos na sua categoria”, afirmou. Para o ministro é necessário um exame baseado no principio da preservação da empresa para a aplicação do cram down. O processo de recuperação teve seu curso regular.
A ministra Isabel Gallotti reforçou que o desconto nas dividas foi de 60% e o pagamento foi fixado em diversas parcelas (durante oito anos) e sem correção monetária. O recurso especial não trata desse pontos, segundo Gallotti, porque a decisão de segunda instância acompanhou a de primeira.
A ministra reforçou que não poderia ser descumprida a decisão soberana da assembleia de credores pela rejeição do plano. Ela ainda afirmou que esse precedente é“relevantíssimo”.“Cabe ao Tribunal definir o que se entende por voto abusivo”, afirmou.
O ministro Salomão afirmou que”é o jogo do perde-perde”já que, com a decretação da falência, o próprio credor que negou a recuperação não vai receber. “Náo se sabe se não vai receber”, questionou Gallotti.